Páginas

28 de janeiro de 2007

Balada Paulistana

Caótica Sampa onde se acaba o samba
Que em meio a asfalto concreto fumaça
Tem um povo a se esgueirar
Chuva suja essa garoa mas ao menos lava a lava
Que expelem os poluídos corações
Aqueles que se abalam diante
Da discreta deselegância das meninas
Desviam o olhar das veias velhas bailarinas – cômico
Em meio ao caos armado de cimento amado
Tua violenta imagem e cotidiano
Reflete-se nas águas de teu rio mundano – trágico
O pródigo cidadão se encarrega
De destilar a cólera no próximo cidadão – verídico
Tua gente quase sempre nascida aqui
Aglomera-se em trens ônibus e afins
Em tuas praças ao relento vidas vãs lamentam
A vida que levam ou pela qual são levados
Escadarias pontes postes monumentos
Onde pobres podres diabos moribundam
Tantos quantos destes que abundam – de novo o caos
A falta que as coisas que te faltam faz
Faz menção direta a tua nação megalomaníaca
Elevados prédios passagens viadutos
Onde se vê e ouve-se o bairro e os centros
Nesses arredores vagamundam aqueles
Para os quais cartaz e poema dizem não haver vagas
Quem foi que disse “grande cidade”?
Uma cidade com grandes problemas ao certo
Vide o esgoto logo ali a céu aberto – é mesmo o caos
Assim é utópica a menor esperança
Mas nesta balada o poeta pode fazer-se criança
E a utopia ver no sorriso da moça da favela
Quando em fevereiro samba na passarela (pra TV)
No grito do varredor de rua desdentado
Quando de um perfeito golaço filmado (pro VT)
Até eu mau poeta vejo o não sentido
Chama-se lirismo isso que os compositores
Põe nas letras das canções sobre São Paulo
Meio triste melancólico sorumbático assim
Canto desde já por todos os cantos um canto
Que aprendi com a gente daqui
Uma canção sem palavras
Que serve de letra
Ao minuto de silêncio
Que compus pra ti

25/01

6 de janeiro de 2007

B's. A's.

duas moedas para o coletivo terraportar-me do aeromorto
polinizado pela daninha flor amarela que não se extingue
adentro a urbe à margem esquerda do rio de prata absorto
segundando os olhos e passos de minha Beatriz bilíngüe
...
ao imenso Obelisco perpendicular falo
esqueço de ouvir o olvido sonoro
é dezembro desde Julho ou Maio
bolivarianos, san-martinianos
velhas bandeiras sujas e rasgadas
azuis as águas e o céu não fora o barro e a fumaça
brancos monumentos e dias é claro
as paredes de pichadas não estão livres
...
carteado, truco ou aposta
quem te mata mate quente
nas gauchescas rodas
jardins nas praças nos parques
desde as quadriláteras esquinas
por uma cabeça e cinco quartos
cavalos circulam corridas
sem asas e sorte no jogo de azar
...
milanesas e empanadas
vinho e refrigerante e cerveja
cafés sol-guardados nas calçadas
restaurantes com postres sobre-a-mesa
...
tangos, milongas / / / / / Gardel, Piazzolla
ex-voto de minerva / / / / / bandoneon guitarra baixo
sem mais delongas / / / / / com punhal se degola
Perón e Eva / / / / / portenho coagulando gaúcho
...
os múltiplos centros e a unívoca periferia
peculiares as palavras chiam como chicotadas
espanhola língua de novo o mundo a nostalgia
ao caminhar diz-se que se faz o caminho
...
carteado o embaralho
anoitece as histórias
encaminham a estatuária
caudilhos, patrões, compadres
preto fumo o que pitam
de aço de ferro de lata
flor dos que duelam a faca
desde pampas desce
sobre patagônias sobe
preferível dizer Malvinas
nos pátios pertence-me o sol
mas é tua a avarandada a lua
...
nada como a morte para melhorar os vivos
revoluções de sete palmos de guerra
desterrados, mortos, desaparecidos
o tempo não revolve, resolve a terra
os mais ousados debaixo do rio ou no fundo do chão
a carne jamais vingada dos nativos
...
viro-me para o povo que se vira
mímicos e mendigos e mágicos
artistas da fome e da sede de se recriar
tocadores e trombadinhas e titereiros
volto-me para as ruazinhas barulhentas
a música em trânsito nos chingamentos
às carruagens aos táxis às biclicetas
no que me pesam no que me levam
...
ou branquitude criolada ou
che, maradona, che
a mão do deus rasga o romance do diado
amor mestiço ou ódio mulato
Martin Fierro ou Don Segundo Sombra
a arte da pena que a vida alonga
julistas e jorgeanos nas livrarias
entreabertas até antes tarde
nunca, nena, nunca
panela que manifesta a ação
sem-vergonha a Casa Rosada
aqui se pergunta “que sei eu?”
lunfardo contra a Real Acadêmia
surreal não é Xul é o Sul
...
na Recoleta em Puerto Madero em Palermo
essa adjetiva urbanidade de cor argentina nos lugares
em La Boca no Retiro no San Telmo
dessa cativa saudade que se imagina em bons ares

4 de janeiro de 2007

Mais um de mim a menos


depois de meu penúltimo meio-dia
onde a clara rua perde o mesmo nome
ali é o fim do apocalíptico terceiro verso
hoje a morte lateral das vagas sombras
diz-me que o nosso mundo acabará para mim
de me parar preparei-me para me deparar
elo, desde onde estive duelo até por onde vou, duo
vida que se finda estranhamente e sem rima
esse é sempre o labirinto múltiplo de passos
o que meus pés teceram desde a infância
um círculo que se fecha de acordo consigo no vício
já que o íntimo me troca por outro hospedeiro
depois de alçar seu vôo sem pássaro dentro