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31 de julho de 2008

Inanição

Poemas escritos e os olhos fechados
Cansados vide evidência de fosfenas

Quisera ser apenas um ideal
Estando só com essas idéias
Parecer um fumo do filosofal
Entre as estadias e odisséias

Sede que mesmo oca me come
Fome que beijo louca me sede

Sustentando a esta nota
À roda destes meus pés
Susta-me cada suja bota
Julgo que dos chãos rés

Febo o fútil fogo com nojo mastigo
Castigo um vento frívolo que bebo

Quando me tornar letra morta
Já não precisarei sequer dormir
Errância se acerta na linha torta
Da obra o corpo livre para existir

30 de julho de 2008

Araújo em Ordem

Por uma conjunção de tempo e espaço, som e imagem, durante os 115 minutos que dura o filme eu estive em ordem, todo o caos do meu eu parecendo poder ser entendido por mim, por pura hipnose e identificação, não sem algum estranhamento. Ver na primeira fila foi melhor, quero ver de novo, necessito, várias vezes.


Saber das muitas pessoas que somos, que somamos, que somatizamos. Curar-me do que não é cor, melodia; revoltar-me contra o que não são sentidos, sentimentos; abandonar o que não forem risos ou lágrimas; fugir do que não forem ereções ou cólicas. Viajar é algo bom em si mesmo, mas viajar em si mesmo é algo melhor. Quero encontrar na Poesia um ser, outro, uma pessoa, simplesmente; quero através da Memória me transportar, chegar a ser outro, mais eu mesmo, naturalmente. Preciso de uma Beleza que seja carne, pele e cabelos; preciso de uma Razão que seja osso, vísceras e sangue. Preciso escrever tudo, o tudo que há de oco por fora em mim, este mundo inteiro que sou eu escrito.

29 de julho de 2008

NãO FiQuE SãO - o livro

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CAPÍTULO PRIMEIRO

OU

TODO O PASSADO É PRÓLOGO

OU

JARDIM DO IDEM
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Aos dias os dias simetrificam-se. E a mesmíssima nauseabunda era me herda, me acomete. Sempre é o tempo: são cinco horas da manhã; dou-lhe um tapa para que se cale e enfio sob o travesseiro a cabeça em alvoroço, não sem antes reajustar a ampulheta digital para que volte a me estorvar em mais quinze minutos. Um suspiro depois, vem a mesma algazarra ensurdecedora. Penso: déjà vu? Que nada... são agora cinco e quinze, quinze minutos depois de quinze minutos atrás. Nada de novo.

Eu me conformo com as formas das coisas; sento sinistro na cama a me endireitar, comigo mesmo ensimesmo os sentidos relembrando o último parágrafo que li na véspera, enquanto adivinho no claro da luz que penetra no quarto escuro qual o clima que faz lá fora, a que sou tão suscetível; mais um dia de sol na distópica São Caos. Estados Unidos, Europa Industrializada ou Japão? É tudo a mesma coisa para um jovem de quase classe média que tem de trabalhar para manter seus hábitos de consumo; quinze anos desta época já me adaptaram, às vezes acho mesmo que já nasci adaptado. A cada dia toco o chão com um pé diferente ao me levantar, na tentativa de que algo em minha vida mude... e nada. Eis o desestempero da vida: muda o clima e não eu.

Mais do mesmo. Ainda vou enlouquecer, não ainda. Tomar banho a esta hora é uma experiência um tanto quanto traumática, mas me ajuda a acordar: limpo os olhos sujos, desfaço a cara de barbas, engomo o cabelo e sobretudo passo protetor solar; visto camisa branca de gola dura e a única gravatinha, preta calça puída e velhos sapatos pretos, relógio falso importado de contrabando, valise rôta. Ensaio BOMDIA!s em frente ao espelho com um sorriso meio mórbido, autoflagelação estética e moral necessárias para um inevitável dia de trabalho. Confiro o tempo: preciso elevar a pressa. Mal posso escolher que livro levar, tomo um tomo não muito pesado; levo também a sombrinha. Desço a escada de metal em espiral. Avisto pai e mãe, de um lado para outro, tais quais baratas tontas pela casa, arrumando não sei o que igualzinho a ontem, anteontem e ao primeiro dia de aula do prézinho. E o meu destino inexorável é evoluir para a mesma espécie de anulação deles; a amar com primitiva irrefletida ternura o não sentido de esperar algo melhorar enquanto a espera dura. À mesa, café de ontem na caneca rachada e um murcho pão com pão que deixo de lado, café é que é bom. E somos só “tchau, pais”, “tchau, filho”. Vou dar a cara a bater ao mundo a partir de Alphavella, onde moro desde sempre. Passo pelo pequeno traficante todo o meu tráfego aqui e agora. Sorri para mim desde que tenho idade para receber a primeira mesadinha. Ascendo ao pensar no escarro reprimido acendendo um cigarro escondido. Aperto o passo estreito rumo ao centro da cropópole, São Caos, para voltar dentro de algumas horas se não tiver perdido a hora para o ônibus, trem, metrô ou afins que em hora e meia me levam. É o tempo suficiente para ler à contracapa, as orelhas, a biografia do autor, e quem sabe o prefácio e o prólogo, mais umas quantas páginas livro adentro, história afora.

Prosa ou poesia? Nem sempre sei qual é a diferença... Alguma caminhada ainda pelas ruas sujas e barulhentas do centro, desviando dos mendigos moles deitados nas calçadas duras nesta pobre cidade rica, que cada vez mais podre fica; onde ainda todos insistem em amanhecer para. E é sempre igual... mais um dia todo dia. Engulo seco o primeiro gosto amargo diário antes de ser abocanhado pelo arranha-céu de concreto e vidro que de elevador me leva ao andar da Companhia:

- BOMDIA!, BOMDIA!, BOMDIA! – todos dizem em coro, e eu de boca fechada como quem consente, calado corifeu condenado, inocente.

Logo ao entrar avisto os postos de trabalho da Central de Atendimento. Células quadradas, muito pequenas e geminadas formando no todo um quadrado maior, corpo falante, cada uma contendo um funcionário a que se chama operador de telemarketing. Profissionais superexplorados que trabalham como forçados pós-modernos, dilacerando as cordas vocais, olhos e ouvidos, mãos e punhos até estourar em frente ao computador de última geração. Recebem na mísera paga um irrisório adicional de dupla função, a despeito de exercerem pelo menos uma quinzena delas; têm carga horária de seis horas por dia no máximo, direito sinistro que serve de desculpa para o baixo salário, mesmo sendo obrigados a trabalhar sem folgas num eterno plantão. Através do corredor paralelo contíguo eu deslizo rápido sobre o carpete repleto de ácaros invisíveis, passando invisível pelos conhecidos de sempre, sempre procurando não ser reconhecido.

Uma garota nova em meu caminho, meio modernete, mas muito bonita, de cabelo vermelho tingido e negras olheiras profundas, ao certo mal acomodada na roupa social e parecendo entediada, com sua garrafa plástica a barrar-me a passagem me pára e pergunta onde fica o banheiro. Penso: merda! Vou me atrasar... Encho de água morna minha garrafa plástica como um soldado raso cansado, que carrega de munição o fuzil para o dia da derrota definitiva da Civilização Ocidental, que não chega nunca. Procuro minha posição, instalo meu equipamento conectando-me, acerto os três relógios de que disponho com o relógio maior na parede; inicio quinze programas de computador necessários para a operação; condicionado, inspiro superficialmente o ar profundamente viciado; vencido, pressiono melindroso o botão vermelho que libera o inferno e me obriga a dizer, nunca sem aquele “sorriso na voz”:

- Quidam Idemetalter... BOMDIA! – E aí me dou conta do farsante miserável que sou, um puto fingidor. E treplicando o que replica a cliente endinheirada, ligando do celular, de dentro do carrão de luxo – BLÁBLÁBLÁ, Senhora Fulana de Tal. DISPONHA SEMPRE E TENHA UM BOMDIA! - O que repito à exaustão quinze quinzenas de vezes, menos os quinze minutos de pausa para o café de quinze centavos.

É um emprego ruim, mas o que tem de pior é algo comum ao trabalho em geral, não acaba nunca; invencível por ser imperecível, o trabalho é um castigo de danaide, um dano de danado, da nação de assalariados. Ao fim de meus quinze trabalhos, olho para o tempo de quinze em quinze segundos... Ufa. Que fiasco! Fico até tonto.

De quinze em quinze demora demais para acabar, mas acaba acabando; acaba, acaba, acaba... ah, acabou! Salto do lugar e enveredo direto para o buraco por onde entrei, não sem antes trocar qualquer amenidade com outro danado forçado ou com nossa judiciosa Supersupervisora, a odiosa. Ah, alguém ou algo me ajude! É o que se pode chamar de L.E.R., significando “Lesão por Esforço Repetitivo”.

Saio para o dia e ando um bocado a esmo pela cidade, tentando equilibrar-me nas sombras estreitas dos postes a fim de evitar o holofote solar, ando e ando e ando passando por uma série de alfarrabistas onde é possível conseguir bons livros usados; juntos eles formam um circuito de desenfreada perdição financeira para um consumidor de boas leituras com parcos recursos. O meu Livreirudito sempre se acha bastante conhecedor do assunto, querendo parecer à altura do que vende, chegando mesmo a esnobar um pouco, um pouco demais dependendo do grau de intimidade dele comigo ou com o autor e do autor comigo – mas o que se há de fazer se ler é preciso e, saber, tão impreciso –, qualquer canastrão se cerca de livros; o Livreirudito, este pseudoconnaisser, com seu estilo, envolve-me numa emaranhada teia de considerações sobre esse ou aquele escritor que não li – ou que ainda não comprei dele –, oferecendo-me com sua eloqüência barata livros caros cujo prefácio resumido constitui a própria matéria-prima de seus discursos, simplificações de idéias pré-concebidas que julga que ainda desconheço. Desprovido de qualquer conteúdo, nada cria além de miragens intelectuais tão superficiais... que às vezes ele me acerta em cheio: e então compro pilhas e pilhas de lindos volumes deliciosos que, sôfrego, levo comigo, ávido por folhear... e então, quando o dinheiro acaba, o conhecimento é tudo! O pior labirinto não é a reta?

Tomo de meus tomos e me encaminho, para ir tomar no curso na Universidade, pública e aristocrática, oficialmente matruculado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde quase nunca estou, pois cabulo para poder ler. Apesar de eu não ter completado o estudo o trivium e quadrivium, é certo que eu esperava muito mais, talvez esperasse pelas universidades dos livros. Quando muito aqui encontrei uma grande biblioteca, como outras grandes bibliotecas, à exceção de que aqui ninguém os lê.

Os outros estudantes anseiam por se tornar caducos como os mestres e doutores, especialistas stricto e lato sensu em saber que sabem que nada sabem. Perdem seus tempos. Pensam, logo pensam que existem. Cada aluno encurvado em seu assento parecendo ele todo um grande nariz adunco graduando-se em ouvir calado e escrever fichamentos.

Não sou um deles, por ora estou. Vai começar a aula. A Catedrástica adentra o templo do saber e precisa de ajuda para se sentar ou levantar, tropeça e cai-lhe uma lente de contato, não a encontra e fica com um olho preto e outro azul. Gaguejará durante quatro horas o que levou quarenta anos decorando: “sei melhor do que ninguém!”, “quinze páginas em latim para amanhã”, “não me interrompa!”. E os educadores ainda são aplaudidos pelos educandos, quando sei que deveria ser o completo contrário.

Quando de repente Vossa Magnificência o Reitorpedro, pedra angular dessa instituição superior, imiscui-se no recinto. A docente Catedrástica e os discentes da escolástica meneiam as cabeças carolas para reverenciá-lo, mas antes que se forme uma fila para beijar-lhe o anel, este se põe a fazer um mui efuzivo discurso sobre o espírito universitário. Mas não, eu ainda não morri, estou apenas cochilando, sonhando em mardar-lhes enfiar no cu o diploma.

É mesmo um ambiente muito tradicional e esnobe, sobretudo pouco estimulante intelectualmente, onde bem academicamente, os professores diminuem os estudantes ao máximo, para preservar-lhes intacta a ignorância. E desde o prézinho, eu já estou nisso há quinze anos.

Assim eu levo a vida ou sou levado por ela, auto-enganando-me ao deixar-me enganar pela mesma vida. Só finjo; não choro, não grito. Pode-se rir disto, mas está mesmo acontecendo comigo agora mesmo e assim tem sido por muito tempo; tragicômico, mas super real. É a minha sincera autobiografia de enlouquecer qualquer cristão: não ficção.

Mas sempre se pode ao menos ler um bom livro, voltando para a senzala dentro do transporte público lotado e barulhento que, lento, rapidamente quebra no meio do caminho. Ótimo! Podia ser pior? Podia... “não há mal que de tão mal não possa piorar” é meu versinho “próprio” favorito. Inpirado na descoberta do mal estar na civilização.

Alguns lêem para encontrar respostas, mas como os livros só nos levam a mais perguntas, acabam por se achar perdidos; outros lêem para não ver passar o tempo e nesse passatempo acabam mantendo-se sãos; há ainda aqueles que lêem somente para ter alguma companhia, seja a do livro como objeto de fetiche, das palavras como sinais quase compreensíveis, ou das personagens como amigos imaginários de ocasião, nestes últimos a leitura às vezes permanece, pois eles, com o tempo, passam a reconstruir suas vidas reais com o mesmo material de que se constitui a literatura. Excluído de todo o resto, aqui eu me incluo.

A história de minha vida eu poderia ler em menos de quinze minutos, pois é mesmo só isto; já a de minhas leituras... nelas, realidade e tempo e espaço e existência e substância e matéria e ação e relação e postura e estado e mente e paixão e acontecimento e quantidade e qualidade, são o Tudo e o Nada, possíveis unicamente à imaginação.

Mas a minha mente infeliz mente vai precisar voltar. Em casa, minha mãe deve estar se esfolando viva no laboro doméstico, a cozinhar frustações, lavar nosso torrão, passar a ferro o tempo e remendar esperanças em cárcere privado, em solidariedade aos esforços de meu pai, que também se esgota trabalhando longe de casa acolá, ali e onde dá como pedreiro, ambos os bois eficientes e inconscientes e “deficientes”: sem meta, eles nunca mudam, sendo sempre cegos e surdos de metáfora como eu mesmo não mudo. Improvisamos provisões para um futuro de ilusões quaisquer.

Ao reler isto eu acharei parecer doentias lamúrias, mas são. Olho para dentro de mim e percebo a contradição, contra a subtração de meus próprios sonhos eu deveria estar. O que faço por enquanto é meditar sobre isto. Tornei-me um manso, um antiferrabrás pacato. O lirismo que se vê na decadência da sociedade cabe somente na ficção, mas não é o que se tem visto fora dela. Cada indivíduo capricha para dar o melhor de si para se foder, dá-se a uma espécie de queda. Recebo nas veias densas doses de diário desânimo, e ainda assim ofereço estupidamente o outro braço para que me suguem, drenando até a alma, mas pulsa em mim algo mais precioso do que a fé ou a esperança, um debochado espírito de porco. Sei que só mesmo pela esculhambação é que, se não houvermos de vencer, haveremos ao menos de levar conosco aqueles grandes favoritos da humanidade para as profundezas da mesmíssima bosta. Chego ao fim de mais um ciclo, eterno retorno, se não me repito. No quarto, ainda leio um quarto de hora tentando suicidar o pensamento e sublimar a dor no corpo, suigeneralizar os problemas em problema; dormir sem sono ou sonho para recomeçar tudo de novo no dia seguinte, pois minha vida é um acordar de que não consigo pesadelo. Fantasia extravagante ou espinho lógico, a hipocrisia existe é para ser usada, e eu, como infeliz patife que sou, engano ao próximo como a mim mesmo, fingindo plena a felicidade, entendida como característica esfericidade, simetrificando pensamento e linguagem, vício e virtude, superfície e símbolo, interior mente. Entrego-me ao sono como quem se dá à morte... é, triste, mas é verdadeiro; antes de dormir já sonho ainda com o depois de não acordar, mas não há recordação possível do vazio, ainda menos de além. Como ontem e anteontem será o amanhã; eu só queria o nada novo e não o tudo de novo... E isso é algo que sempre peço em preces antes de adormecer ou depois de terminar de ler um livro, algo que quero tanto, mas tanto, que ao voltar de onde vou sempre quando quase chego lá, mesmo novamente a mesma mente, que o que quis só não terei alcançado por um triz.
...

Necessária intervenção do autor


Uma história tão ordinária não deveria despertar o interesse de quem quer que fosse. Mas compreendo eu, e o Leitor também compreende, que há muitos jovens vivendo em situação demasiada e assustadoramente semelhante e, não se espante, até pior, neste exato instante; e que estes uns correspondem justamente ao tipo de Leitor médio que se encontra nas salas de aula ou mesmo cabulando aulas, e que acabariam por acompanhar nestas linhas os passos do personagem (herói?) por mera identificação, outros talvez por pura compaixão para com ele ou para comigo. Para um Leitor muito mais ou muito menos exigente, bastariam mais umas quantas linhas para que nos abandonasse para sempre; mas torço para que o Leitor que agora me tem diante dos olhos, como o personagem e eu mesmo, venha buscando ultimamente (ou desde quando?) algum livro que acabe conduzindo-Te a quaisquer conclusões realmente inquietantes, na expectativa de conseguir um autêntico prazer artificial, um deslumbrante passatempo estético ou, quem sabe, um pequeno vício. São chegados os seus quinze minutos de fama, quem sabe o Teu quarto de hora esclarecedor. Só que acompanhar esta narrativa buscando minuciosamente alguma pequena alteração naquela monótona rotina representaria certamente uma atividade por demais desgastante, que sem dúvida acabaria por aborrecer nosso Leitor. Sendo assim, para que nos poupemos da dura realidade da vida, e aproveitando que o Leitor, pelo olhar, já demonstra renovado interesse, entremos logo no campo da literatura; de minha parte, na cômoda posição de autor (onisciente, onipresente, onipotente), permito-me ousar ao brincar de dEUS com o destino de minha criatura, concedendo-lhe nessa aventura alegórica e grotesca algum dom, ou amputando-lhe algo que julgar necessário, para que nós, eu, Tu e ele, tenhamos algum entretenimento nas próximas páginas. Se és Leitor de primeira viagem ou viajante de primeira leitura, creias no poder da minha palavra: ele não é santo; mas se não és, igualmente olhe e passe indo comigo, dessas letras usufruindo.

19 de julho de 2008

Cadeia Alimentar

Você que é esse pequenino tão telúrico e louco,
um de nós que nos sabemos vermelhas formigas,
que ouvimos com antenas o som do fim e é rouco,
abduzidos pelas compridas lúbricas línguas antigas,
desse deus tamanduá pátria-família vulgo o mouco,
e sonhamos no veneno de colonizar outras barrigas.

17 de julho de 2008

VISTA

Os meus olhos siameses
Englobam à noite às vezes
E não caibo em pensamento
Entre quaisquer duas estrelas
Mas mais sem cabimento
Se quer seria não vê-las

Vejo Jove
A mira é cega
Tempo faz que não chove
Canta a dor que o trove
A deus e ao dia renega
Ébrio planeta mega
Com templo que não abarco
E é não amar ou há barco
A nave que me navega

Em branco que visto vim de siso
Esgarce ao tudo que viso oculto
No turno quer e paro vejo um vulto
Isto me investe de fausto e disfarce
Ressarce meu prejuízo no que exulto
Guia d’oeste lar senti nela catarse

Olho ao redor
Vendo o quadro sem moldura
Dossel que de onde estava eu via
Adquiro o céu que me transfigura
E aquilo que não sei eu sei de cor
Qual um véu que a visão fulgura
Deve haver o eclipse de um meio-dia
Pois no escuro ou se vê melhor
Ou é noite de lua vazia

11 de julho de 2008

Pen at Work

Este poema foi incluído no Livro Ruído: http://goo.gl/Xoo79

8 de julho de 2008

Fosfenas

Ressaca de arte e vinho tinto, o sono preto, sol dó si mi ré lá, no sofá. Coltrane ama supremo o diabo do deus que espremo. Telas sem moldura ou silêncio, quadro a quadro; basta um verniz para ser feliz. Participo da amizade também. Vomito que não omito o mito. Bom dia domingo! Miríade mira de fotografia no ato do vácuo. Dormindo a cor dado de pé em durado nos passos a ribanceira arriba. Rob in son mach ado! Pão chapado em que embarco achocoladrado. Moro com outras pessoas, lá na Poesia. Desabotôo a camisa e desabo tonto na caminha. Sonho que durmo de novo e não me demovo do lugar por horas bolas a frio. A cor do acordo que me acorda é a massa, a que sugo, desdenho, repasto, não como o mesmo, mas outro, a mesma. Reclino-me mais e não declino do que deliro. Refino os olhos em fosfenas semi-acordadas que me regiram aleatórias nos entressaias pela porta que bate mil vezes zero badaladas. Caio em mim, o que não dura. Há luz e pirilampeja. Lágrima-chá pisca-pisca e redivivo me embalo cuidado de camomila. Na-morada o recomeço da água em mim; ela me trata, me re-hidrata, e como que volto revoltoso e devoto. Holofote de olor forte me desnorteia para Pseu do Sul. Do recôncavo deitado vejo por entre franjas de coberta uma tela noventa graus mais horária: liquidifica-se doido de ver verde à meia luz da alcova redemoinhada. Estou mais do que estômago, tonto e mago, quedo. E a bagunça jagunça pinguça é dentro, no cerne o descaminho. Rodo pio a íris nada e colagem de ar e ia reme lenta que rápida mente mal-me-quer a lado entre um e outro excerto que erro. Hiroshima depois daqueles oito beijos e meio meu amor. Babel legendada. Comumicônico, adoeço à razão do corpo enquanto tino me expira peremptório. A glande paixão da minha vida me exterihorroriza e jaculatórias revisões do futuro em aberto em plano fechado. Halo cine. Escovo os vinte e oito dentes e tomo banho sentado. Desanoiteço e não muito sedo. Ensaio um fora. Teletransbordo-me para cá onde não chego o bastante. Basculo ósculos que de texto e paranormalizo a tarde onde começo a medir e vir. Depois é só fumar bastante e comer morangos, mandar pinacotecas por e-mail e seguir cabisbaixo para uma aula de raciocínio lógico: se a Terra é quadrada, a Lua é triangular. Quiçá haverá sexo e não sono, letargia mais letal. E só há a possibilidade de eu ainda querer mais. Outra vês?

OUTRO MESMO ANTES DA RESSACA
BY ROBINSON MACHADO EM: