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30 de maio de 2009

Enormíssimo Cronópio



Criaturinha verde que me amadurece o ser e que, úmida, faz secar a boca atônita de te reler, pois não te declamo, senão respiro. Com os teus poliédricos olhinhos de gato em penúria eu vagabundeio uma leitura opiácea do microcosmo que me contas fantástico, por mágica com barbas de negra mandala primaveril a mascararem quase dois metros de alta outra realidade, a mesma de Buenos Aires e Paris, com dentes feios e fomes aleatórias, famas elásticas, não importa... não se contentam em significar, Julio, que me dizes muito e é aqui em qualquer lugar, agora em qualquer tempo. Entre os teus e os meus cigarros, saio do hospício onde se usa encerrar nossos heróis poetas e minotauros, cujos sonhos tomados aos crepúsculos revolucionários examinam o bebop pugilístico de prosseguir a perseguir, ora em livros mesmo, ora em outras liberdades, nossas incontáveis solidões, mulheres e cidades. A presença que imagina a si mesma anda por aí, estritamente não profissional, em territórios violentamente doces, com suas secretas armas contra os vampiros multinacionais. Em todos os jogos o jogo sem fim com humor sem princípio, final de fogo onde anda a tua fala, voz grave sem solenidade, voz terna pela eternidade. Tu me sublinhas, caro amigo. Fui te visitar aí no cemitério lotado, na casalápide tomada por ti, vigiado sempre por corvos que tu (nuncamais) traduzistes e que agora te traduzem, a página branca de pedra de casal sob pedrinhas, moedas escuras e pétalas cansadas, entre um sem número de papéis molhados pelo noturno céu da véspera, com um caleidoscópio de desenhos e textos para ti; então me deito um pouco contigo, che, meu velho mestre sem método, penúltimo dos titãs não-ortodoxos que fez algum sentido; e deitado vejo de olhos abertos o teu coração de pelúcia e em panorama o teu esqueleto mais livre do que o meu; e quando fecho os olhos, cobrindo de fosfenas minha vigília, anoto aquelas datas de teu nascimento e morte: aí penso na I Guerra e penso na Declaração de Caracas. Apenas o creio porque é mais fantástico, Cortázar. Tudo me parece uma irônica amarelinha imaginária, ou uma mera épica piada de mau gosto. E os tempos não são outros. Saio contigo da labiríntica necrópole para um não menos granítico café na esquina onde, marmóreos, nós tomamos dois dedos de prosa poética sobre os dois euros da conta. E, sim, sim, escrevo no computador, che. E, sim, é verdade, irmão... Dois! Dois Kirchners! Primeira-dama e primeiro-senhor... Seguro que sí, compadre. Que te pasa? Asma? Incredulidade? Mas tu já não devias se ter dado conta de que quem ouve de haver partido num ponto sempre fica diminuído do próximo conto?