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2 de janeiro de 2011

Silêncio



"Eu te revelarei o medo num punhado de pó”
T.S. ELIOT

houve por bem meu bem a explosão
propor fissão nuclear
deste meu coração
que não teve Paz em tempo de se entregar

há calma absoluta contra ela própria
no meio do jardim medular que ninguém escuta
o medo lar de calcária cópia
de apenas pedra e pó
e mito que medra a alma em mim
ou ova preta de estatuária que olho algum usa
na serpentária eterna festa de dó e granito
que hoje é esta floresta de Medusa moderna

clara luz que investe perpendicular
sobre a zebrada hora do amanhecer
e a fotografia quebrada que com pus
se arvora ao renascer no Leste o luar do dia

é o solene afã
ao redor das crateras famintas
tocando a sirene vã das feras vis extintas
ou o pior
e então mais profundo que se creu em Satã
quando o Japão diz ao mundo
um eu sou você amanhã

e o Sol que cai no chão queima qual Vesúvio em Pompéia
exceto a quem se esconde constelado no breu da caverna
de onde se vê o dilúvio emoldurado de um mar que teima
numa hodierna visão em prol do vulcão de além-Cassiopéia

e a arca de sal navega na vaga lembrança
daquela Cultura que vivenciam os surdos
que por décadas leram atentos esses brancos de cada página
quais guias de um mundo sem volta ou revolta sequer
por sermos tão distantes e ensombrecidos por tudo o que fomos
nessas estradinhas sinuosas por entre escombros de floresta
a cercar aquele muito que poderíamos ter sido
antes mesmo de inventarmos deuses e germes
ou a bomba e o Domingo
que hoje é apenas de vento e pó de passagem
pelo que não se salvou
da demência em alerta que um dia vingou tão fria

agora toda a erva que resta se lança num grito
e como que de cima do Nada rola uma avalanche
que ninguém escuta dado o próprio não-Ser inaudito
a apedrejar esse espúrio sem qualquer revanche

pois o espírito da época é um deserto circular
cujo panorama faz baques secos que ninguém assusta
por entre colinas sem outro dono além do abandono
e ares de Olimpo a liberar a Morte repersonificada
que por um hermetismo condena este nosso Tempo
a rolar o Sol para sempre
por sua falta de mesura em relação ao Destino
o que a bela filha da Noite e inevitável mãe da Razão
sempre puniu

fontes cabais de um belo que prescreveu resignado
em seu Nada através do nado em águas termais
de um Caos afinal pacífico do nunca mais revisitado
uma vez que é resignificado cada um dos sinais

e a materialidade babilônica
um pouco aqui e ali dos pedaços
do ser humano e da ser humana desencarnados
após seu derradeiro veraneio de último casal
neste anti-Édem prático da devolução das espécies
em que se testemunha o invisível
do porvir que já era  

infinitas todas as palavras não ditas
tantas quantas seriam as lacunas entre elas
e por isso mesmo bem menos finitas
e um pouquinho belas

novecentos e noventa e nove
escrito com cal nas árvores mortas de qualquer floresta negra
ou mero novo olival
visto de cabeça para baixo enquanto se move
ou tragédia grega
em um grande contraste fenomenal
desde este recomeço que já se dá com pau
sob a imensa acidez que chove

e outro céu de um azul mais claro
traz à tona outro Sol mais azul ainda
justo quando o Sul parece algo raro
e até no horror à luz a vista é linda

e parece até magia se olhamos mal
pois as estrelas que vemos não estão nem ali para nós
e essas pedras-lápides de algum quadrante circular
sobre as quais sentamos quase por cem anos
foram trazidas para cá sabe-se lá de que forma
já que santuarizado está tudo o que não tem resposta
quando temos mais pressa do que o horizonte de eventos
em tecer pedras inéditas para o nojo das geometrias

algo houve aqui se se ouve espectros como enxame
vindo ora em curtas e ora em longas ondas de Rádio
como altas e baixas de maré burburinhando tsunami
a marulhar lembranças no olvido de ferrão ou gládio

vai sobre as águas de sal em demasia
o primeiro espírito inconsolável do que fomos
a pairar na contramão dos espaços outrora interditos
seguindo os passos do Vento que foi sopro um dia
rumo ao nevoeiro onívoro ao qual nos propomos
desde que envenenamos tudo com cogumelos bonitos

se tudo no mundo está perdido é aqui mesmo que nos achamos
pois não há curvas na paisagem por onde não se vai
e já que ninguém ainda voltou de onde ora estamos
nada nos resta além desse mundo só de ida do qual ninguém sai

este Limbo que nos coube assim elemental
é a um só tempo de betume e caiado
virgem e puro em sua senilidade
por ser aos outros tempos indiferente
por ele mesmo não passar de um Tempo serial
ao redor deste possível lar da Verdade
por já não ter aqui qualquer utilidade
pois é a estação terminal 
construída sobre um terreno acidentado
destruída pelo acidente

já passa da meia noite no relógio do Apocalipse
e o grandessíssimo Sol está agora em seu nadir
quando a Lua cheia tem cem minutos de eclipse
durante os quais tudo o que há deixa de existir

e o desconserto do restante é tão solitário e triste
como se poderia supor este relevo inútil
ex libris da mais angulosa Geografia
ou esta Terra vã e simbolicamente chã
sedenta por lágrimas
que não a tiveram como ter como destino
e isso não são meras estrofes e sim catástrofes
já que o mundo agora não era diferente disso
ou até de um cinzeiro cheio
na ignominiosa manhã que sucede a festa

onde tudo é de um espanto espontâneo e sem tamanho
qual ponte inacabada
entre o estranho e o mais estranho
sobre o imenso Nada

além de quando as infâncias todas se confundem
nessa praia de tombo alucinatória
nessoutro Mar da Tranquilidade
onde se encuba e exuma a História
de águas-vivas da imortalidade
em cujas infinitas senescências os fins se afundem

as mil revoadas de solos de guitarras quebradas
eletrificam o ar sem rumo Norte
enquanto tabuadas incontáveis são redecoradas
a multiplicar o estridor da Morte

através de colinas de tortura há o nunca e o nem sempre
a embolorar os dons mais frios que o Sul tinha
que já não há Verões que cheguem
para calcificar a carga de chaga ganha
pelo ainda evidente devir dos dias
que vão e vêm e não voltam sem então
por mais que a esfera sofra e as translações oscilem
com o atraso das menstruações
que a brisa quadrifurca indefinidamente
a partir do vórtice das cabeças ali no Abismo
onde já não cabe o sem Mistério
a viajar pelos sete sertões

fenômenos curvos cingem o cimo da altura
a tingir de branco a absoluta Queda
prefigurando a perpendicularidade pura
do novo leite que ao ser chovido aqui se azeda

árida pseudovida
máscara tão cara e pálida
rejeitada e devolvida
num pétreo malmequer de rosa
despalpebrada e retorcida
na boca da Noite que ninguém beija
porque é uma beldade leprosa
já que o arrependimento não mata mas aleija

eis a Terra enverrugada
livre de nós piolhos ela está nua
sim sim é a velha Gaia novamente ou se rapelada
e agora com pele de Lua

há só a vastidão do querer sem muros
e algum desejo que o ar ame farpado
mesmo sem torres ou falos duros
em seu ecossistema reinicializado 
com Amores a enfiar buracos nos furos
pois este mundo foi formatado

túneis de morfina
enferrujados pelo lazer
que no sono se confina
para mais não ter

a lenda gravidade
bem como a transparência e a radiação e os germes
e tudo mais de que se desconfia
desde a cólera até os pecadilhos mais inermes
existe e há em demasia
e foi assim que o meu mundo caiu na insanidade
desta Poesia tão adunca
que saiu de atividade
mas ainda tem certos efeitos sobre mim
sobretudo quando ninguém está olhando
porque quebramos o nosso espelho
aqui onde todos os dias ainda são nunca
e já o eram desde o primeiro fim
quando apertei o botão vermelho