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15 de setembro de 2009

15 cigarros e um pensador (que fuma muito)

Durante a inspiração do 1º cigarro pensei que todas as portas deveriam ser arrancadas dos seus batentes e empilhadas numa imensa fogueira, poupando tão somente as dobradiças para que sirvam de recordação daquela triste e assustadora época; Durante a inspiração do 2º cigarro pensei em todas as lâmpadas do planeta que não seriam jamais acesas pelas vaginas das mulheres frígidas; Durante a inspiração do 3º cigarro pensei em todos os problemas que tive com as drogas que não pude encontrar, da necessidade de psicanálise à incompreensão da pintura moderna; Durante a inspiração do 4º cigarro pensei que um cego sempre descreve o que ouve e nunca o que houve; o que houve é cego, o que não ouve é surdo; Durante a inspiração do 5º cigarro pensei que Alberto Caieiro, Ricardo dos Reis e Álvaro de Campos não são a mesma pessoa mas ainda sim são o Pessoa mesmo; Durante a inspiração do 6º cigarro pensei no umbigo que Eva, a primeira dama, não teve, e no cabaço que Maria, a imaculada senhora, perdeu da forma mais profana e incestuosa possível durante o parto; Durante a inspiração do 7º cigarro pensei que se no passado os escoteiros tivessem se associado às bandeirantes atualmente viveríamos numa era de alegria e experiência e, quem sabe, que no futuro teríamos institucionalizada a anarquia; Durante a inspiração do 8º cigarro pensei que se critica um final feliz num filme de cinema mas não se abre mão dele na vida pessoal a despeito da Arte, só porque vemos um piolho nos outros e não vemos um escorpião sobre nós mesmos; Durante a inspiração do 9º cigarro pensei que reconhecer a impermanência de tudo é a certeza da perduração do todo, sobretudo no caso de Deus ter um sexo, dois ou três, não interessa, sendo piedoso cogitar sua divina e onipresente insatisfação; Durante a inspiração do 10º cigarro pensei na música como uma arquitetura em movimento e na dança como um terremoto ensaiado; Durante a inspiração do 11º cigarro pensei que mais excitante do que a amiga da minha mulher e do que a mulher do meu amigo é o meu amigo voyeur excitado com a visão dessas três mulheres comigo; Durante a inspiração do 12º cigarro pensei que o título impopular que tornaria uma peça de teatro mais popular, e pães no circo lota, é “Foda-se o dia das mães!”; Durante a inspiração do 13º cigarro pensei que o aborto espontaneamente induzido deveria ser legalizado e amplamente difundido, até mesmo nos casos em que o feto não passa de um ciclope anão, herbívoro e caolho; Durante a inspiração do 14º cigarro pensei no metafísico problema da causalidade já que não haveria Sócrates sem Platão, Jesus sem Paulo, Borges sem o Outro; nem antes nem depois, nem dantes nem virgílios; Durante a inspiração do 15º cigarro pensei na sordidez da condição humana que só é solidário no câncer, na Copa do Mundo de futebol e em se tratando, naturalmente, de linchamento.

(www.samilill.com)