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18 de julho de 2007

Contra a Poesia

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Desde que me alfabetizei, leio; desde que soube como ler, escrevo; fazendo-o mais e mais, até artisticamente, desde então. Com isso - ser escritor - não consegui muita coisa na vida, pelo contrário... é um fardo pesado que carrego como karma, um destino trágico do qual não pude fugir; ainda por cima, tornar-me poeta somente trouxe-me revés e desdita, desgraças mesmo. Tornei-me uma pessoa pior, ao ponto de por vezes me perguntar se ainda sou digno de me intitular "pessoa", título que por si só já seria uma maldição, filosoficamente. Estou citando, não recitando.
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Algo como um sacerdócio que me marcou profunda e indelevelmente ao buscar ser um poeta experimental, levando uma vida experimental. Tudo o mais que existe, eu perdi. Posso me considerar o maior derrotado, perdedor, na medida em que fui extraviado da vida normal, morna e confortável, de toda a gente; sem deixar o convívio dessas gentes e de ser eu mesmo mortal. Carrego esse dom como um aleijão, um horrível terceiro braço que quando não está escrevendo serve para me mutilar; sou mais de um agora, mas esse outro ente terrível que também sou eu, eu carrego comigo para outro e um lado como irmão siamês que me dita o melhor da vida, e me interdita ao tentar desfrutar dela. E eu um dia QUIS tudo isso. Sou um iniciado, agora que tudo está terminado.
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Já não acredito em Deus ou no Diabo, além (ou aquém) do mal e do bem; se há outra forma de vida fora da Terra, é inteligente o bastante para não vir se perder por aqui; não tenho esperanças de revolução alguma que nos redima ou melhore o mundo, sendo mais do que um pessimista ou niilista, um cínico; entrei em um processo sem volta de transgredir quaisquer limites que me impunha antes a minha humanidade perdida. Como outros como eu, cruzei as portas da percepção, olhei de frente o cintilante conteúdo das latrinas; fui a autêntico ladrão de fogo e antena da raça; recebi a visita do anjo torto que me madou ser gauche na vida, experimentei em mim todos os venenos, fiz-me louco e vidente com um completo e racional desregramento de todos os sentidos; inalei perfumes de carcaças e cabeleiras; morri muitas mortes difíceis como partos sangrentos; viajei o mundo em busca de mim e perdi meu tempo procurando por mais lembranças. Morro pré-natal pois nasci póstumo. Tenho vários livros escritos que ninguém ainda pôde publicar. A Poesia é um tipo de monstro de vanguarda, defendei-vos dela vos fazendo gárgulas... ponde uma carranca na linha de frente do vosso analfabetismo poético. Olhai e não passeis!
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Não queirais ser poetas, vos vaticino o futuro e assim vos aconselho. Não busqueis ser mais profundos, toda Arte é completamente inútil. A Poesia não está nos livros, está na vida, não a reproduzais, gozai-a. Não queirais criar mais Beleza escrita, que tanto mal faz a quem a aprecia, que rapta e mantém cativos àqueles fetichistas que sem nenhuma ingenuidade a idolatram. Mantende-vos puros e afastados disso, é um perigo e vossa felicidade pode estar em risco. Sede simples, nascerdes humanos já foi algo demasiado complexo para uma única existência, a ataraxia deve ser o caminho mais certo para a felicidade. Não vos inflijais tal ônus; sabeis que vós não preciseis de nada disso, ainda que a própria Poesia vos diga ao pé do ouvido que precisa de vós. Eu vos admirei e invejei em segredo pelo que não sois. Estas palavras não querem formar uma peça artística, não são obra de ficção; não querem servir outros, apenas a vós mesmos... por amor de vós, deixai-as calar profundamente em vossos corações e tende em mente que podem ser um último aviso. Não vades por aí... hipócritas leitores!
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